domingo, 16 de janeiro de 2011

A Terra não é nossa

Não é de hoje que o mundo está para acabar. Já até agendaram data, horário e mandaram comprar a pipoca. Enfim, todo ano é o mesmo trote. 
Faz tempo que falar sobre a extinção do planeta deixou de ser assunto exclusivo das rodas de hippies e ecologistas. Contudo, a maioria das religiões e, mais recentemente, a ficção científica, vêm fazendo fortuna anunciando o apocalipse e seus sintomas. Publicitários com uma criatividade apavorante não mostram nenhum indício de cansaço na exploração do tema, por mais batido que ele pareça.
Toco neste assunto mórbido porque quando estava assistindo às mais recentes catástrofes do dia, de repente um velho medo infantil veio à tona: e se o mundo acabar mesmo?
Confesso que trago este cagaço ainda dos tempos de moleque quando os mais velhos gastavam horas discutindo sobre como seria o apocalipse. Defendiam, com muita saliva, cada teoria mais biruta que a outra e só concordavam em duas coisas: o fim só podia estar próximo e ninguém escaparia. 
Na época eu levava tudo isso muito a sério e escutava intrigado, fantasiando fins trágicos, com muita água, fogo, monstros cheios de dentes e outras combinações improváveis.
Aquelas conversas sinistras ficaram grudadas na minha memória, conforme o tempo voava, ia aumentando a sensação de injustiça perante a vida. O mundo ia acabar logo na minha vez de andar nele. Logo, toda descoberta tinha sabor de saideira.
(Ni Brisant - OVNIs)
Pode parecer piegas, mas para mim era mais ou menos como esperar durante dias na fila da bilheteria e bem na vez de comprar o ingresso para o melhor espetáculo do universo, a moça do caixa dá um sorrisinho de canto de boca e baixa a placa: INGRESSOS ESGOTADOS. 
Esta neura acabou um dia, quando ainda era pequeno e fui pescar escondido com meu amigo Jailson, num riacho longe de casa. Na volta nos perdemos no meio do mato e depois de termos "canelado" muito, paramos para descansar e comermos o resto da merenda. Depois de matar quem tava nos matando, ele se levantou e quase chorando, disse: "Rapaz, o cabra não pode se danar sem ter agarrado nem que seja uma mulher. Vambora, que eu não quero morrer aqui não!"
Hoje, rimos muito ao lembrar esta aventura, mas no fundo, ela representou um divisor de águas na minha maneira de enxergar certas coisas. Dentre elas, percebi que não teria uma "morte coletiva", como pensava até então, e que o meu mundo poderia acabar sem que, necessariamente, o dos outros fossem afetados. Olhei a vida como algo bruto e tosco, sem consistência definida. Mas de uma coisa eu estava certo, ela jamais toleraria meus vacilos.
Depois disso, perdi muitas noites de sono, tentando "agilizar" o primeiro beijo e outras façanhas. Não era mais o fim do mundo que me assustava, era a vida, a solidão. 
Estes anos de estrada me deixaram cheio de certezas vãs, como tudo que é certo. Uma delas garante que o mundo não irá acabar pelo menos não como os profetas abutres vivem pregando.
Temos nos acostumado com cada coisa absurda, que nem somos capazes de ver além da superfície. Por exemplo, ninguém mais se alarma ao ouvir que a humanidade é a maior praga do planeta. Ora, pode parecer bobagem, mas nesse tipo de discurso reside uma significação que vai além do jogo de palavras. Não quero ter que achar normal ser igualado a um parasita. 
O senso de propriedade já está tão impregnado que a maioria trata a Terra como se fosse uma casa da qual é dono e não inquilino. É um disparate esculhambar uma moradia, a qual, se sabe, será a residência de toda a sua descendência. Claro, suspeitam da existência de outras casas disponíveis para alugar, mas nenhuma delas oferece o conforto, nem o precinho que pagamos para morarmos aqui, além do que, já estamos acostumados com os vizinhos. Aproveitando a metáfora, tem gente mais preocupada com o quadro da sala do que com o vazamento do banheiro. E outros ainda querendo tocar fogo nessa bagaça.
Nos últimos janeiros a Terra andou com aparência esquisita, febre e outros sintomas de tirar sono e fôlego. Embora possua suas próprias armas para se defender de gente como nós (ou não), o planeta continua dando suas voltas, ocupando espaço. Esta perspectiva não me consola, mas me faz crer que o mundo nunca terá fim, somos nós quem corremos risco. A Terra não leva mais desaforo. Ame-a ou deixe-a!

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